quarta-feira, 12 de agosto de 2009

4. A MÁGICA.

Buscamos ser mágicos em Gestal?terapia. Não por causa daquelas ?cu-ras? instantâneas e milagrosas do Perls, não. Mas porque sabemos que nós os seres humanos somos mágicos, encantados. Ainda que, por mo-tivos que talvez um dia encontremos a lógica, vivamos tão frequente-mente alienados, e mesmo interditados neste e deste poder de encantamento, que não só nos é inerente, como constitui a dimensão que nos é mais originária e característica.
Dito assim, que somos mágicos, encantados até parece uma coisa ex-traordinária. Mas, nada. É o que nos é mais essencial. Ocorre que, em essência, somos seres ativos. Além de sermos reflexivos, e comporta-mentais, somos em essência ativos. Isto permite o que, na bela lingua-gem do I Ching, é o nosso poder de fazer com que do invisível brotem efeitos visíveis. Do intangível brotem efeitos tangíveis... É isso o que chamamos de ação.Ocorre que, no mais íntimo, no mais originário de nós; em nosso modo pré-reflexivo de ser, em nosso modo pré-comportamental de ser, em nosso modo pré-pragmático, anteriormente mesmo ao que entendemos com a realidade, realizada, nós somos po-tência, possível, possibilidade, vontade (força) de possibilidade. Quando chegamos aos limites da imobilidade do realizado do nós-mundo, resta-nos sempre a disponibilidade do retorno ao possível, ao potente, à pos-sibilidade, e à ação que fazem com que?do invisível possam brotar efei-tos visíveis?.
Esses efeitos podem se configurar para os outros, à medida que se con-figuram para nós próprios. Mas, o percurso do processo em que eles se constituem, de uma pré-compreensão, até um desdobramento compre-ensivo ? o que entendemos como ação ? é a performance vivencial de um percurso que regularmente engendra a nós próprios e ao mundo que nos diz respeito.
Incontornavelmente compreensiva, e implicativa (não explicativa), a per-formance da ação pode se limitar à reserva do nosso modo compreensi-vo de ser; ou pode, também, ser compreensão-e-muscul-ação (compreensão e ação muscular). Explicitar-se, seja na objetividade me-ramente compreensiva, seja na objetividade compartilhada. Sempre de-vir, sempre vir a ser. Sempre o novo, o inédito, o diferente, o inesperado, o espantoso. Devir vem de vento. O devir é uma ventura. A ventura da vida à ventura. O que, na performance, performação de figura e fundo, devém com a ação é a potência do possível, a potência da possibilidade, da vontade de possibilidade. Que se forma na incerteza. E que, aconte-cimento, deforma o mundo acontecido, numa ?arte de perigar? a que chamamos de experi(g)mentação, e que é fenomenológico existencial empírica.
Nesta arte de perigar, que é a experimentação fenomenológico existenci-al empírica, nesta vida à ventura, a ventura é imprescindível. E a ventu-ra, o vento, é o Estésico. Um vento, ventura que sopra no Mediterrâneo Oriental, e que impulsionava as velas dos navios... Nele inspirados, os Gregos chamaram de ?estésico? o modo de sermos da sensibilidade. É que o modo sensível de sermos, o modo de sermos que é corpo, vivido e sentidos; fenomenológico e existencial, pré-reflexivo, pré-teórico, pré-comportamental, pré-pragmático. É como um vento, como uma ventura. Todo ele impregnado de possibilidade, de potência ? que é apreendida na com(a)preensão. E de ação: este modo de sermos que nos retira da imobilidade das realidade, no exercício da força de seremos possibilida-de. Os momentos em que habitamos este modo de sermos da força, e da ação, estésicos, configuram a est-ética como vivência. Se não prática, porque prag mática do inútil, eminentemente poi-ética: ética da potên-cia produtiva de uma pragmática do inútil. Assim é a Gestal?terapia, assim somos: para além do real, em nosso modo originário de ser, est-éticos, poiéticos, inúteis produtivos.