quarta-feira, 12 de agosto de 2009

6. GESTAL TERAPIA E DIALÓGICA.

Ontologicamente somos dialógicos.
Somos dialógicos porque (1) a dialogicidade é o nosso modo de ser mais característico: o modo de sermos que Buber designou como eu-tu; que se dá como modo de sermos vivencial, compreensivo, fenomeno-lógico, existencial, pré-reflexivo, pré-conceitual, hermenêutico, as-sim como, pré-pragmático, e pré-comporatamental.
E somos dialógicos (2) na medida em que, na momentaneidade desse modo de sermos, eu-tu, dia-lógico, vivenciamos um logos dial. Ou seja, um logos, sentido vivencial, que diferencialmente compartilhamos com a alteridade radical de um tu, como o movimento de mim para ele-e-dele para mim. Movimento que momentaneamente nos implica inextri-cavelmente, envolve e absorve, na dramática da dia-lógica da relação com o diferente, constituindo o âmbito de um inter entre o que com-preendemos como nós mesmo, e a alteridade radical e ativa de um tu. O dialógico, conforme observa Buber, ocorre (a) na esfera de nossa relação com a natureza não humana, (b) na esfera da relação entre humanos, a esfera do inter humano; e (c) na esfera da relação com o sagrado.
Mesmo na relação que seria de mim comigo mesmo -- impossível sujeito, e impossível objeto, no âmbito da dialógica do modo eu-tu de sermos –, a relação é com um tu, com a possibilidade emergente da outridade de mim.
É o modo de sermos da ação, da ação contactante, da superação, da criação. É o modo de sermos, inevitavelmente na relação com o diferen-te, em que não somos reais, não somos realidade, somos possíveis, pos-sibilidade, em atualização, em realização. O modo de sermos em que, vivência de possibilidade e de possibilitação, inter-ação, participamos da criação de nós mesmos, e do mundo que nos diz respeito, do isso, enquanto sujeito e objetos, e que nos dá a possibilidade do modo eu-isso de sermos, e de sua reconstituição.
O Ontológico modo de sermos eu-tu é momentâneo, é qualitativamente mais restrito e resumido, menos freqüente do que o modo eu-isso de sermos. Permanecemos mais no modo eu-isso de sermos. Mas o modo eu-tu, dialógico, ontológico, de sermos é o modo de sermos em que nos nos re-gene-ramos, nos criamos e re-criamos a nós mesmos e ao mundo que nos diz respeito. Esta é a sua peculiaridade em relação ao modo eu-isso de sermos. O modo eu-isso de sermos é ontológico – no sentido de que é dimensão intrínseca do que somos, igualmente. Mas o modo eu-isso de sermos, que comporta o modo reflexivo, teorético, explicativo de sermos; e os modos comportamental e pragmático de sermos, o modo eu-isso de sermos, é o modo de sermos dos fatos, dos feitos, dos aconte-cidos, que fazem-se e são feitos no modo eu-tu, ontológico, de sermos. Privilegiar o modo eu-isso de sermos é privilegiar a dimensão dos fatos, a dimensão dos acontecidos, em detrimento do fazer, do acontecer, que é próprio do modo eu-tu de sermos. Este tipo de privilegiamento dos fatos, do acontecido, do modo eu-isso de sermos, com o prejuízo do mo-do eu-tu de sermos e de suas implicações ontológicas é o que Buber chamou de fatalidade.
Buber igualmente observou que a única coisa que pode ser fatal ao homem é crer na fatalidade... O dogma (da fatalidade) é falso desde o início.
Isto porque, ainda que o modo eu-isso de sermos seja natural e legiti-mamente constituinte de nós próprios, a limitação a ele, e à sua fatali-dade, é própria apenas quando não aquiescemos habitualmente no modo ontológico, eu-tu, de sermos.
A aquiescência na momentaneidade do eu-tu, o modo pré-coisa, pres-ente de sermos, permite a completa reorganização e recriação da di-mensão coisa, do modo eu-isso de sermos, e de ser o mundo. Permite a reorganização e recriação dos fatos, e de sua fatalidade.
Todas as concepções da Fenomenologia de Brentano, da Fenomenologia da Psicologia da Gestalt, da Psicologia Organísmica de Kurt Goldstein, do Perspectivismo nietzscheano, da hermenêutica de Dilthey, ou da hermenêutica existencial de Heidegger, as concepções e metodológica do Expressionismo apontavam, e apontam para este modo ontológico de sermos, como a fonte ontológica de nós próprios.
Os Perls eram muito próximos de Buber, e de suas idéias. Laura Perls foi aluna de Buber durante muito tempo. E a influência de Buber na concepção e concepção da metodológica, da ética, da Gestalt Terapia foi seminal.
Interessados na criatividade, no homem criativo, alternativamente ao homem científico, as concepções de Buber faziam importante parte de toda uma linha de perspectiva que vinha desde os pré-socráticos, pas-sando por Aristóteles, pelos artistas e filósofos do Renascimento, por Nietzsche, por Brentano – Humanistas, na medida em que valorizavam a experiência humana --, e que viriam a desaguar nos Perls, e em Ro-gers, os mais notórios psicólogos humanistas. Interessados da dimen-são humana da potência, da possibilidade, e do devir, da ação.
Há que se dar um desconto no fato de que a Fenomenologia ainda era precariamente conhecida, imensos e agudos conflitos atravessaram os momentos constituintes das concepções e método da GT. Mas, sem dú-vida de que a dialógica, enquanto ontologia, e enquanto metodológica faz parte do DNA da Gestal’terapia. Igualmente sem dúvida que perma-nece como uma possibilidade que ainda está por dar os seus melhores frutos.