quarta-feira, 12 de agosto de 2009

7. EXPERIMENTAÇÃO.

A experimentação é o núcleo da metodológica, da est-ética -- da ética, da Gestal’terapia. Uma relação experimental entre terapeuta, ou profissional, e cliente, permite um privilegiamento do modo de sermos da ação, ação contactante, da atualização. Potencializando a vivência ativa pelo cliente dos elementos de sua atualidade existencial.
É lapidar a frase de Perls no Gestyalt Therapy -- e altamente reve-ladora de sua concepção e metodológica, de sua ética, est-ética: Qual-quer problema humano só pode ser resolvido ‘experimentalmente’...
Talvez nunca seja muito observar que, neste sentido a experimen-tação nada tem a ver com uma concepção científica do termo. Em ter-mos de experimentação fenomenológico existencial gestáltica, Voltamos aos primórdios do sentido do termo, nos quais o experimentação, deri-vado do perire Grego, significava arriscar, tentar... Ou seja, uma certa arte de perigar. O perigo, a perigação, que também derivam do verbo perire (per-ire?)...
No seu sentido científico, a experimentação está ligada à reprodu-ção controlada, frequentemente laboratorial, de uma dada realidade.
A crítica que Perls faz aos psicólogos da Psicologia da Gestalt, a-pesar de adotar alguns de seus princípios, é enormemente reveladora das concepções qualitativamente diversas para um mesmo termo. Reve-la o tanto que Perls, apesar de visceralmente experimental, afastava-se da concepção científica do conceito. Apesar de reconhecer a importância de alguns princípios da Psicologia da Gestalt, e de reconhecer a adoção de alguns deles, Perls criticava a monotonia, a falta de interesse e exci-tação dos experimentos laboratoriais. E dizia algo como, existe interesse apenas pára os pesquisadores...
Porque aí reside uma questão central da experimentação fenome-nológico existencial. Sua potência se constitui eminentemente como ite-resse, como excitação, como ação contactante, poiesis.
Isso revela o quanto Perls estava longe de um sentido científico do conceito de experimentação, e afiliava-se a uma concepção artística, est-ética, compreensiva, existencial, da experimentação. O que nos incita a buscar e compreender esta perspectiva da experimentação.
Não é novo, naturalmente, este sentido existencial da concepção de experimentação. Como mostra a origem da palavra, cuja compreen-são especificamente experimental nunca parece demasiada. Os Orien-tais entendem como uma fonte inexaurível, esta fonte da experimentação.
A experimentação, neste sentido, já era o núcleo da metodológica, da est-ética, ética, do movimento artístico do Expressionismo. E já era, a experimentação, neste sentido, anteriormente, o núcleo da Gaya Sci-enza nietzscheana.
Ciente da potência, da possibilidade, como núcleo ontológico hu-mano, o Epressionismo era consonante com a observação, posterior, de Heidegger, de que a possibilidade é mais importante do que a realida-de. De um modo tal, assim, que era como se o princípio fundamental da ética do Expressionismo fosse: que se exploda a realidade, o princípio de realidade, o positivismo do real... Tal era a compreensão e valorização da possibilidade como característica ontológica humana definidora.
Naquele tempo, em que o totalitarismo vicejava abundante, e pre-parava a sua colheita, no Expressionismo, a potência da vivência de uma “subjetividade” apavorada e desorientada explodia num grito laci-nante... Em gritos lacinantes. Ex-pressões Ex-plicit-ações: da implica-ção de uma potência -- de uma possibilidade, vontade de possibilidade --, que enquanto tal – possibilidade --, não era -- não é --, real; não era, não é --, da ordem da realidade. Mas era clamorosamente verídica, em sua potência, vivenciada. E re-pressionada.
O Expressionismo -- contra a repressão --, esgueirou-se contra o privilégio da realidade, contra o privilégio do princípio de realidade, con-tra o positivismo do real...
Mas não só contra a repressão. O momento dramático serviu à a-firmação do ontológico no humano. Porque, em termos humanos, em qualquer tempo, a possibilidade é mais importante do que a realida-de... A ‘possibilidade’ é a força que impregna o nosso modo originário, e ontológico, de ser... O possível, o potente... Modo fenomenológico, exis-tencial, vivencial, compreensivo, implicativo, de sermos... Cuja potência revela-se especificamente poiética, criativa.
E a ética, a est-ética, da experimentação expressionista -- como a ética de toda experimentação neste sentido, fenomenológico existencial, dialógico, vivencial, fenomenológico existencial hermenêutico --, a ética da experimentação neste sentido, primou por privilegiar este modo fe-nomenológico existencial de sermos, como o modo de sermos da vivên-cia do possível, da vivência da potência da possibilidade; e do seu desdobramento, como ação, interpretação – no seu sentido efetivamente ativo, compreensivo, implicativo (e não ex-plicativo).
De modo que o artista expressionista centrava-se, centra-se, con-centra-se na potência de sua intuição, de sua inspiração, fenomenológi-ca, existencial. Para tal, usou-se a metáfora de uma pantera, que concentra a sua musculatura, até o ponto ótimo para o bote, e bota... Ou a metáfora de uma mola, que é concentrada até o ponto ótimo para a liberação de sua força...
Assim era, e é, concentrada a potência, a possibilidade contingen-te, da inspiração na ética, estética, expressionista... Até que, no ponto ótimo da concentração da potência da possibilidade, ela é liberada na ação da performance poiética da explícit-ação da elaboração artística, ex-pressão.
Performático experimental é, assim, o artista expressionista na e-laboração e explicitação de sua arte. E toda esta performance, que é um per-ire na vivência estética da possibilidade e do seu desdobramento, é que é o núcleo vivencial e ativo da experimentação estética, vivencial, compreensiva, fenomenológico existencial... Certamente podemos dizer que Gestalt’terapia é expressionismo em terapia...

Segundo Fink, Nietzsche definiu a experimentação, quando bus-cou libertar-se do Idealismo, através desta sua gaya ciên-cia. Curiosamente, ele se propôs a ser científico, para ser rigoroso. E foi definindo as características de sua veracidade: ... Pois muito bem! Va-mos lá, experimenta-te. Mas não quero voltar a ouvir falar de nenhuma questão que não autorize a experiência. Tais são os limites da minha ‘ve-racidade.’ A cientificidade nietzscheana constitui-se como o conheci-mento infundido pela vontade de criar, e nunca pelo ‘instinto de verdade’. O conhecimento que é a afirmação da afirmação do vivido. De modo que, muito longe da perspectiva conceitual e explicativa da ciên-cia, a perspectiva da experimentação nietzscheana se constitui especifi-camente como a estética afirmação da vida – vida esta que é já em si afirmação. Criar a verdade, a partir da afirmação. Nunca buscar uma verdade que inexiste como algo para tal.
Em seu livro “Crítica do Conceito de Consciência na Filosofia de Nietzsche”, Marcelo Barbosa observa: (Nietzsche) se impõe a tarefa de libertar a vida dos valores da decadência, de modo a poder criar novas formas de agir, novas possibilidades de vida, e, fundamentalmente, uma nova concepção do que seja pensar.
Pela experimentação, observa ainda Fink, Nietzsche almeja devol-ver à existência a sua independência, a sua indeterminação e, por conse-guinte, o seu caráter de empreendimento audacioso. A experimentação nietzscheana parte, assim, do entendimento da inexistência de um mundo verdadeiro, da inexistência de um mudo real, e se liberta, estéti-camente, como afirmação criativa da vontade de potência, liberta-se no sentido da criação.
Dilthey entende a compreensão, em contraposição com a explica-ção, como o modo próprio de sermos da interpretação. Nesta funda as Ciências Humanas. Para ele, a interpretação se funda no privilegiamen-to da vivência, e na expressão.
Desta forma, quando Perls funda na experimentação fenomenoló-gico existencial a sua metodologia da Gestal’terapia, já se situa no âm-bito de uma tradição filosófica e artística desenvolvida. Tratava-se, sobretudo, de entender, e de privilegiar, o valor do estético, do afirmati-vo da vivência de consciência -- pré-reflexiva, pré-conceitual, pré-teorética, pré-comportamental, pré-pragmática --, na anuência com a característica mais fundamental que a existência segredara a Zaratus-tra: eu sou aquilo que se auto supera indefinidamente...
Anuência com a potência, e com o seu desdobro na ação: a expe-rimentação existencial, que é a condição da grande saúde nietzscheana. Uma saúde que se constitui como super abundância de forças de vida, promovida pela afirmação da vida em sua integridade. Em particular, pela afirmação da finitude e do sofrimento. Afirmação esta que poten-cializa o retorno da força de potência, como uma super abundância de forças de vida. Que, mais uma vez, se dá como saúde ao oferecer-se à experimentação. Grande saúde e experimentação; afirmação, vivência afirmativa, finitude, sofrimento, afirmação, experimentação, grande saúde, experimentação.